Sabemos que a dança, desde a pré-história, esteve culturalmente presente na humanidade tendo várias etapas e um desenvolvimento segundo os mais diferentes modos de vida. Porém, até o nascimento do ballet, ainda não era uma arte organizada e com fundamentação teórica.
Essa profissionalização vem ocorrer somente no século XV, na Itália, enquanto apresentação artística especificamente construída para o divertimento da aristocracia burguesa (o chamado ballet de corte), logo, tornando-se ícone de riqueza e poder no Renascimento Europeu.
Ganhando novas interpretações no século XVI, o centro de expressão dessa arte migra da Itália à França, onde se desenvolve notoriamente com o apoio do monarca absolutista Luís XIV.
Construindo as bases fundamentais que transformaram a Ópera de Paris no centro mundial da dança durante todo o século XVIII, o ballet teatral ganha novas interpretações por intermédio do reformista Jean-Georges Noverre, cuja obra principal, “Lettres sur la Danse et sur les Ballets”, publicada pela primeira vez em 1760, traz uma exposição de leis e teorias do ballet, até hoje considerada a melhor do gênero.
Noverre argumentava que o ballet não era um “mére divertissement”, mas uma arte nobre, destinada à expressão e ao desenvolvimento de um tema. Esta concepção o leva a desenvolver o chamado ballet d'action, ou ballet dramático, em que toda a história (fundamento do ballet teatral - desenvolvida liricamente) passa a ser notoriamente apresentada por meio de gestos.
A inovação de Noverre também é observável em sua posição frente à técnica, por ele vista enquanto pré-requisito para a beleza dos movimentos, o que o leva à insistência quanto ao forte treinamento dos bailarinos. Com muita segurança, desenvolve e aplica regras para a utilização do trabalho de en dehors (fundamento do ballet clássico) por meio de exercícios próprios para a ampliação da extensão e do alongamento das articulações e dos músculos.
Esta preocupação com o desenvolvimento físico passa a ser absorvida com maior intensidade a partir de meados do século XIX, quando, baseado na concepção italiana e francesa, o bailado russo adentra inequivocamente o cenário do bailado internacional com Petipá, primeiro bailarino da Ópera de Paris, que exerceu, durante de mais de meio século, uma verdadeira ditadura coreográfica sobre os ballets imperiais dos czares.
Responsável por montagens que difundiram o estilo próprio do ballet russo, em que “O Lago dos Cisnes” e “A Bela Adormecida”, constituem suas maiores representações, torna-se maitre de ballet em 1862, levando a Rússia ao grande centro do ballet até o início do século XXI.
Diante desta grande representatividade, Serge Diaghilev, grande organizador e diretor do bailado russo no exterior, reúne os melhores bailarinos, mestres, coreógrafos, músicos, pintores e cenógrafos formando uma companhia de extrema amplitude cultural e técnica, que percorre toda a Europa, difundindo a arte clássica com grande maestria, acabando por influenciar toda a cultura européia e da América Latina.
Assim, surgem novas escolas que procuram dar novos sentidos à tradição clássica por meio das concepções inerentes à “dança contemporânea”. É nesse contexto que George Balanchine cria o estilo neoclássico nos Estados Unidos, valorizando a técnica apurada e criando papéis que ressaltavam a mulher alta e longilínea, além dos saltos “olímpicos”, visando demonstrar virilidade e saúde para os homens.
Trata-se de uma grande inovação do ballet clássico, que, constituída a partir da década de 30 com a preocupação acerca do movimento perfeito, traz a necessidade da consciência das potencialidades deste corpo, logo, cenário perfeito para o desenvolvimento de técnicas de fortalecimento e flexibilidade corporal, como o desenvolvido por Joseph Pilates.
Executado no chão ou em aparelhos próprios (colchões, molas, barris, círculo mágico, cadeira e o performer pilates) visa melhorar a flexibilidade, condicionamento físico, consciência corporal, equilíbrio e força muscular por meio do controle da respiração, exercícios físicos e alongamento.
Do contato com Rudolf Van Laban no seu retorno à Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, as técnicas de ‘Construção Corporal’ passam a ser pioneiramente utilizadas em aulas de dança, o que é reforçado quando de sua emigração aos Estados Unidos em 1926, abrindo estúdio em Nova York e dividindo endereço com o New York City Ballet.
Nos Estados Unidos, o método atraiu imediatamente a atenção do mundo da dança americana. Os melhores dançarinos e companhias, acompanhadas por Martha Graham e George Balanchine, viram-se beneficiados com suas técnicas que aliavam princípios clássicos atenienses, de harmonia e beleza do corpo, com princípios espartanos de resistência e força, essenciais para o equilíbrio perfeito.
É o controle consciente de todos os movimentos musculares do corpo, (...) correta utilização e aplicação dos mais importantes princípios das forças que se aplicam a cada um dos ossos do esqueleto, com o completo conhecimento dos mecanismos funcionais do corpo, e o total entendimento dos princípios de equilíbrio e gravidade aplicado a cada movimento, no estado ativo (PILATES, 1934).
Diante dessa perspectiva, Laban (1978), que dedicou sua vida ao estudo e sistematização da dança em diversos aspectos como criação, notação, apreciação e educação, criou uma técnica que redesenha o espaço para o bailarino e nela libertou o movimento de todas as suas restrições, a partir da observação de que para cada contração muscular havia um relaxamento.
Essa busca inovadora pela harmonia entre corpo e alma na dança, encontra grande representatividade nas pesquisas de Paul Schilder, que trata a imagem do corpo de uma forma até hoje atualizada para os diversos campos de atuação que envolvam o movimento, a atividade física e trabalhos corporais, levando-o a definir este processo em três aspectos: fisiológico, emocional e social.
Podemos entender, então, que o corpo passa a ser compreendido enquanto resumo de suas próprias necessidades, emoções e relações sociais, se expandindo ou contraindo em decorrência de circunstâncias que são psicológicas, influenciadas por fatores sociais e gerenciadas por aspectos fisiológicos.
Assim, é possível concluir que todo o esquema corporal é a imagem tridimensional que todos têm de si mesmos, logo, não estamos tratando de uma mera sensação ou imaginação. Existindo a plena percepção deste corpo, auto-interpretações do bailarino são fundamentais para a compreensão do corpo que dança.
Esta nova maneira de olhar a relação corpo e dança, é plenamente aplicada por Klauss Vianna (1990), bailarino e coreógrafo mineiro, quando cria uma técnica (embora ele mesmo não a considerasse como técnica) visando a construção de meios para que o aluno encontre sua própria forma de dançar. Seu desenvolvimento e sua aplicação o levaram à confirmação de que desequilíbrios emocionais corresponderiam a desequilíbrios posturais, logo:
A primeira coisa que um professor precisa fazer é dar um corpo ao aluno. Mas como é possível dar um corpo a alguém? Só nos lembramos dele quando surge algum problema, alguma dor, uma febre. Para acordar esse corpo é preciso desestruturar, fazer com que a pessoa sinta e descubra a existência desse corpo. Somente aí é possível criar um código que me deram quando nasci e que venho repetindo desde então.
O que proponho é devolver o corpo às pessoas. Para isso peço que elas trabalhem cada articulação, mostrando que cada uma tem uma função e essa função precisa de espaço para trabalhar. Da mesma forma, também a musculatura precisa de espaço: ela se relaciona aos ossos, existe uma troca constante entre essa musculatura e os ossos. Tudo no corpo, na vida, na arte, é uma troca. (VIANNA, 1990, p. 62, 63)
Sobre esta troca, Vianna ainda complementa que:
A energia do cosmo é uma espiral e essa energia se repete no corpo humano. Quando é interrompida, ou quando não temos consciência de sua existência, os movimentos tornam-se aleatórios e perdemos nossa individualidade. Então, quando uma técnica faz com que as pessoas prendam o joelho, apertem a bunda e estufem o peito, sem saber o motivo para isso, sem respeitar a individualidade de cada um, o corpo, deixa de se relacionar com o ambiente, com o universo, com sua própria natureza. Não posso inventar, fabricar movimentos a partir do nada porque tudo tem um sentido muito profundo, tudo tem uma evolução da dança e os novos olhares sobre o corpo que dançarazão maior. Não podemos ficar longe desse circuito energético que é a relação entre microcosmo e macrocosmo. (VIANNA, 1990, p. 63, 64)
Percebendo por meio desses novos olhares a importância fundamental do corpo que dança, bailarinos e professores parecem ter à frente o potencial de desenvolvimento do equilíbrio perfeito entre técnica e tradição, mas, para tanto, torna-se essencial o conhecimento das minúcias fisiológicas que constroem a estrutura do bailado – o trabalho de en dehors.